segunda-feira, 27 de agosto de 2007

O SEGUNDO JULGAMENTO DE SÓCRATES

(OU A FILOSOFIA COMO PREPARAÇÃO PARA A MORTE)


Por BJFranco

Entre os vários temas discutidos no “Fédon”, um nos chama a atenção em especial por seu caráter tão inusitado quanto complexo. Trata-se do segundo julgamento ao qual Sócrates é submetido por seus próprios discípulos.
Sócrates, em um momento anterior, tratado em outro diálogo, (“A defesa de Sócrates”), foi julgado e condenado à morte. E é na condição de condenado, prestes a cumprir a sentença que lhe foi imposta, que Sócrates se vê, outra vez, na condição de acusado. Mas agora é outra a acusação e são outros os acusadores, bem como só pode ser outra a condenação (caso ocorra).
Julgado e condenado que foi pela forma como se conduziu em vida, agora Sócrates é julgado por sua atitude perante a morte. Aos discípulos que o assistem nos momentos que antecedem a ingestão do veneno, Sócrates transmite um desprendimento, uma tranqüilidade, um apaziguamento tal que os discípulos entendem como sendo um desprezo pela vida e até um desejo pela morte.
Assim sendo, a acusação toma forma e sentido, é de sentir desprezo pela vida que os discípulos acusam Sócrates, é este o motivo do seu segundo julgamento.
Aceitando-se que a vida é um dom dos deuses, concedido aos homens, não podem, (os homens), dela dispor. A disposição da vida, o seu abandono, não é próprio do homem, visto que a vida pertence aos deuses. Desta forma, abandonar a vida de moto próprio, é abandonar os deuses. Outra implicação, que aparece, é o abandono dos amigos, dos entes queridos e, no caso particular de Sócrates, dos seus discípulos.
Ao aproximar-se da morte, Sócrates afasta-se dos discípulos e o fato de não manifestar nenhum pesar, mostra, no entender de Símias, o seu desprezo pela vida.
Símias estranha o fato de Sócrates suportar a proximidade da morte “sem muito pesar”; esta acusação é a primeira a ser discutida por Sócrates.
Sócrates se dispõe a realizar uma defesa “mais convincente” da que apresentou diante dos juízes. Considerando o resultado do primeiro julgamento, de todo desfavorável, Sócrates, neste segundo julgamento, começa admitindo que fará neste caso uma defesa bem melhor daquela realizada anteriormente.
Ao início existe um acordo no que diz respeito ao que seja a morte. Sócrates entende, e os discípulos concordam com isso, que a morte é a separação da alma do corpo. Segue-se que os filósofos são homens raros e de tal espécie que buscam os assuntos da alma e não do corpo. Mas o corpo, percebendo o mundo apenas através dos sentidos, nos engana, não nos deixando conhecer a verdadeira sabedoria.
Desta forma, o filósofo busca a sabedoria afastando-se das coisas do corpo, mas tal afastamento não é completo, não chega a constituir uma ruptura; visto que a cisão completa entre corpo e alma vem a ser a própria morte.
Sócrates em várias oportunidades refere-se a este afastamento entre a alma e o corpo e diz que ele deve ser o maior possível. As possibilidades de atingir a realidade das coisas estão ligadas ao que podemos perceber através da alma, mediante um isolamento nela mesma. Com o pensamento e só por meio dele, podemos atingir ao verdadeiro eu, mas ainda aí o corpo se nos apresenta como um entrave.

O afastamento total entre alma e corpo passaria então a funcionar como uma libertação, como a real possibilidade do filósofo conhecer as coisas reais sem os entraves causados pelo corpo. Mas esse afastamento não deve ser buscado através do suicídio, nem encarado de forma desesperadora, como se a morte fosse o maior dos males. No caso primeiro, a impropriedade do suicídio reside no fato de que a vida não nos pertence é um dom que os deuses nos concederam, não nos cabe dispor de tal dom. No segundo caso, não cabe ao filósofo desesperar-se diante da possibilidade de atingir aquilo que ele tanto buscou durante toda a sua vida terrena, ou seja: o maior afastamento possível entre a alma e o corpo.
A conduta do filósofo durante a vida é que irá determinar a sua atitude perante a morte, e a filosofia é a forma através da qual ele deve se preparar para fazer frente a este acontecimento. Procurando afastar o mais possível a alma do corpo, vivendo com a eterna busca da sabedoria podemos aprender a não ter receio de morrer, esta é a grande lição que Sócrates nos apresenta, através do seu modelo de vida e do seu exemplo de morte.


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SOBRE O SEGUNDO JULGAMENTO DE SÓCRATES
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Um comentário:

Silverio,A. disse...

"... o que não nos perturba quando está presente inutilmente nos perturba também enquanto esperamos."

Epicuro - em Os Pensadores - 1ª Ed.

A apologia já nos parece bastante árdua e resistente tanto à crítica quanto ao elogio, parece-me bastante pretensiosa a proposta de um "segundo julgamento", mas o texto está muito bem escrito, parabéns.