quarta-feira, 5 de setembro de 2007

ANATOMIA DE UM TEXTO

Por Enoque Portes

Este texto trata-se de crítica feita a partir da ‘Interpretação da Legenda do Lobo de Gubio’ escrita por Pablo Barros. O autor desenvolveu sua ‘interpretação’ com base na obra de Arcângelo Buzzi ‘Introdução ao pensar’ (1972).

1º.Observando este texto, deve-se ressaltar o louvável propósito do autor de tratar dum tão intrincado objeto quanto à discussão acerca do mito. Ao verificarem-se as linhas de raciocínio, constata-se que o texto é deveras promissor, devendo alguns aspectos de sua estrutura e argumentação serem analisados no escopo de um melhor proveito do tema e da própria intenção que, reitera-se, bastante louvável do autor.

Neste primeiro item tentar-se-á explicitar a respeito da estrutura do texto, bem como da coesão no corpo da argumentação, visando, como já exposto, aspectos estruturais, sendo o mérito do assunto discutido posteriormente.

Primeiro o autor procura traçar alguns aspectos que, de acordo com ele, são mais relevantes na obra por ele citada, ‘Introdução ao Pensar’ de Arcângelo Buzzi. Esta síntese foi exposta em forma de tópicos. Neste sentido, nenhum problema, afinal com a exposição dos tópicos o leitor espera naturalmente que estes sejam desenvolvidos durante o texto. Num segundo momento, o autor começa o desenvolvimento do texto por uma idéia retirada dos tópicos listados: a saber, o’ concreto’. Porém o autor não estende a discussão para além desta definição, e todos os elementos argumentativos listados anteriormente, não são apreciados. Surge a primeira lacuna na coesão das idéias propostas pelo autor. Para quem não leu a obra de Arcângelo Buzzi, não fica claro se a legenda do lobo de Gubio é discutida na obra. Assim, quando o autor passa a tratar deste mito especificamente, não se sabe se ele está sintetizando as idéias de Buzzi, ou se está tentando utilizar as idéias deste para desenvolver seu próprio raciocínio. Alias, não está claro no texto se o autor tenta usar a legenda do lobo para exemplificar as idéias de Buzzi, ou se procura dizer que a legenda não é um bom mito. Neste sentido, o autor primeiro expõe que falta à legenda o aspecto do ‘concreto’. Todavia, no discorrer do texto ele demonstra na própria legenda o conceito do ‘concreto’, intentando claramente exemplificar a definição deste termo acima exposta. Enfim, especificamente a respeito da estrutura deste texto, o que nota-se é que o autor, talvez conscientemente, desenvolveu seu texto fundando-se em tópicos, a observar-se a Não relação direta entre os parágrafos. Não há demérito em trabalhar por esse método. Mas é necessário que cada idéia listada tenha direta relação com o corpo argumentativo, seja esta idéia imanente ao texto. A leitura de um texto em forma de tópicos não é muito simples, sendo desta forma extremamente primado que cada tópico contemplado seja claramente continuidade coerente e coesa da argumentação. Para uma melhor compreensão deste texto, tendo em vista a qualidade da argumentação, faz-se necessária uma revisão na coerência e no desenvolvimento satisfatório das idéias listadas. O autor demonstrou possuir esta capacidade flexível para a argumentação, podendo-se deste modo supor que não lhe será trabalhoso, se primar pela alta estima e sobriedade de seu pensamento, considerar as questões aqui propostas.

2º.Os tópicos listados na primeira parte do texto referem-se a algumas definições sobre mito e suas variantes. As idéias aparecem, como observado, aleatórias. Parece que o autor quis aclamar o mito como parte essencial em detrimento da lógica e razão. Ele expõe idéias como: “Um povo sem mitos, por suposição, é um povo que perdeu o senso do concreto”; “A ciência e a técnica, ao duvidarem do concreto e ou quererem ultrapassá-lo, estão no limite da periculosidade;”.

As demais idéias que o autor retirou da obra de Buzzi são referentes à contraposição homem-mítico homem-racional, além da problematização mito versos razão. O autor enfatiza o aspecto unificador do mito. Ora, o mito como aspecto unificador, não desempenha esse papel no sentido de uma unificação ‘político-social’ como o texto parece afirmar. O mito é unificador, quando, em grandes massas populares, tem a simplicidade e a objetividade na sua narrativa para adentrar ao quotidiano das sociedades mais diversas, na medida em que sua narrativa é fléxil a quaisquer modificações culturais. A narrativa mítica em si mesma, não é nenhum pouco unificada. Ela apenas descreve fatos reais ou fantasiosos aglomerando-os de forma a proporcionar uma idéia mais ou menos clara de um conselho ou uma advertência. O ‘concreto’ no mito não é atinente à sua narrativa (sabendo que esta distancia-se largamente da objetividade) antes, o concreto mítico afirma-sena subjetividade do indivíduo que o absorve aplicando-o arbitrariamente a seu quotidiano. O mito é em todos os aspectos ilógico, do ponto de vista filosófico. Mesmo a filosofia jônica, com suas exposições em prosa e tão revolucionárias na Grécia da epopéia e da lírica, inda é estritamente firmada e advinda da narrativa mítica, já que suas argumentações firmam-se nas máximas das narrativas, apenas racionalizando-as (neste sentido um bom texto de apoio é a obra de Jean Pierre Vernant ‘mito e pensamento entre os gregos’ 1990).

O primeiro tópico listado pelo autor relativo ao mito como forma de pensar autônoma do pensar filosófico, não está apropriadamente desenvolvido durante o texto. Quando colocado este tópico primeiramente no texto, e sendo esta uma discussão tão profunda, o leitor invariavelmente espera que este aspecto seja relacionado com a legenda do lobo de gúbio, sendo esta legenda utilizada como objeto base de demonstração da autônoma lógica mítica. Este aspecto aliado à discussão homem-mítico homem-razão, são as idéias mais relevantes do ponto de vista argumentativo no texto. No entanto, estas idéias não são discutidas, e não se pode compreender o sentido destas no texto. O omem-mítico firma seu pensamento na autoridade das potestades superiores. Para ele a lógica reside no poder mais que humano dos deuses. Assim, a narrativa mítica, quando explica algum evento natural, não se preocupa com a verossimilhança da exposição, estando evidenciados os aspectos divinos da intervenção que os deuses constantemente exercem no mundo natural. Desta forma a narrativa mítica não é coesa nem tampouco racional, porquanto a unidade de seu corpo argumentativo não se dá pelas idéias expostas, antes, pela vontade divina.

No fim do texto, de forma estranha, o autor após discorrer sobre a legenda do lobo de gúbio especificamente, procura uma analogia com ela nos nossos dias. Esta tentativa é um tanto anacrônica e não é possível compreender sua inserção no texto. Para uma melhor absorção do que o autor pretendeu expor com a questão da violência na legenda e sua relação em nossos dias, parece faltar algum meio de ligação das idéias do autor, e este demonstra possuí-la, mas ao leitor não é possível assimilá-la.

Sem mais delongas, reiterando, é certo que as idéias do autor são louváveis, contudo carecem de relação entre si, e de desenvolvimento mais detido de alguns aspectos já listados nesta análise. Se o autor transformar a narrativa da legenda do lobo de gúbio em objeto de argumentação com os tópicos listados por ele no início de seu texto, e os contemplar todos, acertadamente o autor alcançará grande êxito em seu propósito, e seu texto será deveras mais absorvido, na medida em que como este desenvolve-se já provoca grande discussão e admiração pelo autor, a começar por esta análise.

Bibliografia:

BUZZI, R. A. Introdução ao Pensar: o ser, o conhecimento, a linguagem. Ed. Petrópolis: Vozes LTDA., 1972.

VERNANT, J. p. Mito e pensamento entre os gregos. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.




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